Carlos Felipe dos Santos Junior
Não resta dúvida que diante do aparente déficit fiscal que o Brasil vive, os órgãos arrecadadores devem cumprir com veemência o seu papel angariar recursos para a união, todavia não é aceitável são os excessos.
O famoso fenômeno da “pejotização” vem tomando
conta do noticiário jurídico, uma vez que a utilização de empresas visando
diminuir a carga tributária vem ocorrendo cada vez em maior número, inclusive,
antes esta estratégia era concentrada nos altos salários, porém hodiernamente
vem ocorrendo indiscriminadamente.
Sabe-se que a “pejotização” (termo
pejorativo), ocorre quando o cargo que normalmente seria utilizado por um
empregado passa a ser desempenhado pela prestação de serviço de uma empresa.
Ocorre que a “diminuição” de arrecadação de
tributos vem chamando atenção da Receita Federal que está redobrando a atenção
ao tema, atuando fortemente por meio de suas fiscalizações.
Neste sentido, é possível observar o tema sob
duas óticas:
1) da empresa contratante;
2) do contratado.
Quando as RFB fiscalizam as empresas
contratantes/tomadora dos serviços, geralmente utiliza como plano de fundo a
fiscalização da Contribuição Social Previdenciária, podendo ser estendida para
a contribuição social destinada a outras entidade e fundos (terceiros, também
conhecido por “sistema S”).
Desta feita, a falta do recolhimento das
contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos pretensos
empregados resulta em autuações fiscais para as empresas que teriam se
beneficiado com o não recolhimento, mediante a contratação da prestação de
serviço de pessoa jurídica.
Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as
seguintes pessoas físicas:
I - como empregado:
a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural a
empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração,
inclusive como diretor empregado;
b) aquele que, contratado por empresa de trabalho temporário, por
prazo não superior a três meses, prorrogável, presta serviço para atender a
necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a
acréscimo extraordinário de serviço de outras empresas, na forma da legislação
própria; (...)
Art. 229. O Instituto Nacional do Seguro Social
é o órgão competente para: (...)
§ 2º Se o Auditor Fiscal da Previdência Social constatar que o
segurado contratado como contribuinte individual, trabalhador avulso, ou sob qualquer outra
denominação,
preenche as condições referidas no inciso I do caput do art. 9º, deverá
desconsiderar o vínculo pactuado e efetuar o enquadramento como segurado
empregado.
Desta forma, diante do termo “qualquer outra
denominação”, haveria a possibilidade de o auditor desconsiderar a
personalidade jurídica da empresa prestadora do serviço e cobrar a Contribuição
Previdenciária.
Além do disposto no regulamento da Previdência
Social, não raro, utiliza-se como base o art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional que diz:
“Art. 116
(...)
Parágrafo único.
A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios
jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato
gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação
tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Neste contexto, o Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais julgou em sessão de 13 de fevereiro de 2019, o processo 16682.721028/201587,
onde consagrou todos os argumentos fazendários e rebateu os principais
argumentos de defesa utilizados pelas empresas autuadas.
Abaixo, segue seleção dos principais temas e o
posicionamento do CARF, neste julgado de grande repercussão no meio jurídico:
1 – Invasão da competência da Justiça do Trabalho pelos Auditores
da Receita Federal. O relator assim entendeu:
“Conforme se observa nos dispositivos acima transcritos, à Justiça
do Trabalho compete processar e julgar ações decorrentes da relação de trabalho
e à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RF) compete arrecadar, fiscalizar
e lançar as contribuições previdenciárias. Logo, não se verifica, na
legislação, invasão de competência.”
2 – Quanto ao desrespeito do princípio da legalidade, assim
entendeu:
“Quanto ao princípio da estrita legalidade, de
fato, o art. 150, inciso I, da Constituição Federal, e dos arts. 97 a 108 do
CTN, estabelecem situações nas quais é exigida a feitura de lei, tais como a
instituição, a extinção e a majoração de tributos, porém, o procedimento de
auditoria, previsto no art. 229, § 2º, do RPS, não está elencado dentre as
situações que exigem lei.”.
3 – Quanto a impossibilidade de Auditor da RFB
reconhecer relação de emprego, assim entendeu:
“Conforme se extrai da Lei de Custeio da
Previdência Social, para que o trabalhador possa ser caracterizado como
segurado empregado, a prestação do serviço precisa ser: pessoal, não
eventual, com subordinação e onerosa. (...)
Por fim, quanto à alegação da
Recorrente de que não haveria nada na legislação impedindo a habitualidade na
prestação de serviços por pessoas jurídicas, em caráter personalíssimo, esclarecemos
que no caso em análise não há a prestação de serviços por pessoas jurídicas,
mas sim a prestação de serviços por pessoas físicas, camuflada na forma de
contratação de pessoas jurídica
Por outro lado, quando o alvo da RFB são os
contribuintes, geralmente o plano de fundo é a fiscalização de Imposto de Renda
Pessoa Física, onde os fiscais lavram autuações cobrando o imposto não pago
diante da utilização da pessoa jurídica.
Para desconsiderar a personalidade jurídica os
fiscais demonstram que a empresa prestadora de serviço possui a única
finalidade a diminuição de tributos pagos, não havendo diferença consubstancial
a uma relação de emprego.
Entre as fragilidades comumente encontrados, é
possível listar:
1 – Relação contratual onde exista
o preenchimento dos seguintes elementos: pessoalidade, habitualidade,
subordinação e onerosidade.
2 – Ausência de sociedade
empresarial. O fato de a empresa ser unipessoal indica a “pejotização”.
3 – Não possuir banco de dados para
demonstrar a efetiva execução dos serviços.
4 – Ausência de quadro de
funcionário.
Apesar da atual jurisprudência do CARF não ser
favorável ao contribuinte, nem tudo está perdido, isto porque também existem
julgamento anulando Auto de Infração que não cuidaram provar a efetiva relação
de emprega, resultando no arquivamento do Processo Administrativo Fiscal por
vicio irreparável no lançamento, como foi o caso do Processo nº
15504.732666/201350, julgado na sessão de 28 de agosto de 2018, conforme
acórdão abaixo colacionado:
ASSUNTO:CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS
Período de apuração: 1/1/09 a 31/12/10
CARACTERIZAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS PRESTADORAS DE SERVIÇO COMO
EMPREGADOS DA TOMADORA. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO POR PARTE DA AUTORIDADE
FISCAL. DEMONSTRAÇÃO ESPECÍFICA E PORMENORIZADA DOS FATOS E CARACTERÍSTICAS DE
CADA UMA DAS PESSOAS JURÍDICAS À PESSOA JURÍDICA APONTADA COMO EMPREGADORA.
NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR VÍCIO MATERIAL.
Deixando o AFRFB de comprovar, pormenorizadamente, a
caracterização de cada uma das pessoas jurídicas prestadoras de serviço como
empregados da tomadora, implica-se na improcedência do lançamento por ofensa ao
art. 142 do CTN, ante a ausência de comprovação do fato gerador da contribuição
previdenciária a cargo da pessoa jurídica. Recurso Voluntário Provido.
(...)
Todavia, o AFRFB deixou de realizar o elo entre os fundamentos
teóricos por ele trazidos ao Relatório Fiscal e a realidade fática
INDIVIDUALIZADA de cada pessoa jurídica descaracterizada. Assiste razão ao
contribuinte quando menciona que o lançamento se dá com base em meras e poucas
presunções que, todavia, não seriam suficientes para comprovar a relação de
emprego entre os sócios das pessoas jurídicas e a recorrente.
Portanto, não é facultado ao agente fiscal
imputar abstratamente o lançamento fiscal que desconsidere a prestação de
serviço pela pessoa jurídica e que passe a considerá-la como empregado.
Atualmente muito se discute quanto aos limites
dos agentes da receita federal, seja no legislativo, seja no judiciário,
certamente a referida discussão chegará nos contornos da pejotização.
Ademais, neste contexto, vale lembrar aos
tomadores de serviço, como aos prestadores de serviço, que a “lei da terceirização”,
como ficou conhecida a lei 13.467/17 cuidou
de permitir a terceirização da atividade-fim da empresa tomadora, o que em nada
interfere nas autuações lavradas pela Receita Federal.
Neste diapasão, não resta dúvida que diante do
aparente déficit fiscal que o Brasil vive, os órgãos arrecadadores devem
cumprir com veemência o seu papel angariar recursos para a união, todavia não é
aceitável são os excessos.
*Carlos
Felipe dos Santos Junior - Advogado Especialista
em Direito Tributário.