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quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

“Pejotização” - A Receita Federal e os riscos tributários para a empresa tomadora e para o prestador de serviços

Carlos Felipe dos Santos Junior
Não resta dúvida que diante do aparente déficit fiscal que o Brasil vive, os órgãos arrecadadores devem cumprir com veemência o seu papel angariar recursos para a união, todavia não é aceitável são os excessos.

O famoso fenômeno da “pejotização” vem tomando conta do noticiário jurídico, uma vez que a utilização de empresas visando diminuir a carga tributária vem ocorrendo cada vez em maior número, inclusive, antes esta estratégia era concentrada nos altos salários, porém hodiernamente vem ocorrendo indiscriminadamente.    

Sabe-se que a “pejotização” (termo pejorativo), ocorre quando o cargo que normalmente seria utilizado por um empregado passa a ser desempenhado pela prestação de serviço de uma empresa.

Ocorre que a “diminuição” de arrecadação de tributos vem chamando atenção da Receita Federal que está redobrando a atenção ao tema, atuando fortemente por meio de suas fiscalizações.

Neste sentido, é possível observar o tema sob duas óticas: 

1) da empresa contratante; 

2) do contratado.


Quando as RFB fiscalizam as empresas contratantes/tomadora dos serviços, geralmente utiliza como plano de fundo a fiscalização da Contribuição Social Previdenciária, podendo ser estendida para a contribuição social destinada a outras entidade e fundos (terceiros, também conhecido por “sistema S”).


Desta feita, a falta do recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos pretensos empregados resulta em autuações fiscais para as empresas que teriam se beneficiado com o não recolhimento, mediante a contratação da prestação de serviço de pessoa jurídica.


O permissivo que os auditores utilizam como base para as autuações está no art. 9, inc. I e o art. 229, §2º do Regulamento da Previdência Social, que diz:

Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas:

I - como empregado:
a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural a empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;

b) aquele que, contratado por empresa de trabalho temporário, por prazo não superior a três meses, prorrogável, presta serviço para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviço de outras empresas, na forma da legislação própria; (...)


Art. 229. O Instituto Nacional do Seguro Social é o órgão competente para: (...)

§ 2º Se o Auditor Fiscal da Previdência Social constatar que o segurado contratado como contribuinte individual, trabalhador avulso, ou sob qualquer outra denominação, preenche as condições referidas no inciso I do caput do art. 9º, deverá desconsiderar o vínculo pactuado e efetuar o enquadramento como segurado empregado.  


Desta forma, diante do termo “qualquer outra denominação”, haveria a possibilidade de o auditor desconsiderar a personalidade jurídica da empresa prestadora do serviço e cobrar a Contribuição Previdenciária.


Além do disposto no regulamento da Previdência Social, não raro, utiliza-se como base o art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional que diz:

“Art. 116
(...)
Parágrafo único.

A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária


Neste contexto, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais julgou em sessão de 13 de fevereiro de 2019, o processo 16682.721028/2015­87, onde consagrou todos os argumentos fazendários e rebateu os principais argumentos de defesa utilizados pelas empresas autuadas.


Abaixo, segue seleção dos principais temas e o posicionamento do CARF, neste julgado de grande repercussão no meio jurídico:

1 – Invasão da competência da Justiça do Trabalho pelos Auditores da Receita Federal. O relator assim entendeu: 

Conforme se observa nos dispositivos acima transcritos, à Justiça do Trabalho compete processar e julgar ações decorrentes da relação de trabalho e à Secretaria da Receita Federal do Brasil (RF) compete arrecadar, fiscalizar e lançar as contribuições previdenciárias. Logo, não se verifica, na legislação, invasão de competência.”


2 – Quanto ao desrespeito do princípio da legalidade, assim entendeu

Quanto ao princípio da estrita legalidade, de fato, o art. 150, inciso I, da Constituição Federal, e dos arts. 97 a 108 do CTN, estabelecem situações nas quais é exigida a feitura de lei, tais como a instituição, a extinção e a majoração de tributos, porém, o procedimento de auditoria, previsto no art. 229, § 2º, do RPS, não está elencado dentre as situações que exigem lei.”.


3 – Quanto a impossibilidade de Auditor da RFB reconhecer relação de emprego, assim entendeu: 

Conforme se extrai da Lei de Custeio da Previdência Social, para que o trabalhador possa ser caracterizado como segurado empregado, a prestação do serviço precisa ser: pessoal, não eventual, com subordinação e onerosa. (...)

Por fim, quanto à alegação da Recorrente de que não haveria nada na legislação impedindo a habitualidade na prestação de serviços por pessoas jurídicas, em caráter personalíssimo, esclarecemos que no caso em análise não há a prestação de serviços por pessoas jurídicas, mas sim a prestação de serviços por pessoas físicas, camuflada na forma de contratação de pessoas jurídica


Por outro lado, quando o alvo da RFB são os contribuintes, geralmente o plano de fundo é a fiscalização de Imposto de Renda Pessoa Física, onde os fiscais lavram autuações cobrando o imposto não pago diante da utilização da pessoa jurídica.


Para desconsiderar a personalidade jurídica os fiscais demonstram que a empresa prestadora de serviço possui a única finalidade a diminuição de tributos pagos, não havendo diferença consubstancial a uma relação de emprego. 


Entre as fragilidades comumente encontrados, é possível listar:

1 – Relação contratual onde exista o preenchimento dos seguintes elementos: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade.


2 – Ausência de sociedade empresarial. O fato de a empresa ser unipessoal indica a “pejotização”.


3 – Não possuir banco de dados para demonstrar a efetiva execução dos serviços.


4 – Ausência de quadro de funcionário.


Apesar da atual jurisprudência do CARF não ser favorável ao contribuinte, nem tudo está perdido, isto porque também existem julgamento anulando Auto de Infração que não cuidaram provar a efetiva relação de emprega, resultando no arquivamento do Processo Administrativo Fiscal por vicio irreparável no lançamento, como foi o caso do Processo nº 15504.732666/201350, julgado na sessão de 28 de agosto de 2018, conforme acórdão abaixo colacionado:


ASSUNTO:CONTRIBUIÇÕES  SOCIAIS  PREVIDENCIÁRIAS

Período de apuração: 1/1/09 a 31/12/10

CARACTERIZAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS PRESTADORAS DE SERVIÇO COMO EMPREGADOS DA TOMADORA. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO POR PARTE DA AUTORIDADE FISCAL. DEMONSTRAÇÃO ESPECÍFICA E PORMENORIZADA DOS FATOS E CARACTERÍSTICAS DE CADA UMA DAS PESSOAS JURÍDICAS À PESSOA JURÍDICA APONTADA COMO EMPREGADORA. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR VÍCIO MATERIAL.


Deixando o AFRFB de comprovar, pormenorizadamente, a caracterização de cada uma das pessoas jurídicas prestadoras de serviço como empregados da tomadora, implica-se na improcedência do lançamento por ofensa ao art. 142 do CTN, ante a ausência de comprovação do fato gerador da contribuição previdenciária a cargo da pessoa jurídica. Recurso Voluntário Provido.


(...)
Todavia, o AFRFB deixou de realizar o elo entre os fundamentos teóricos por ele trazidos ao Relatório Fiscal e a realidade fática INDIVIDUALIZADA de cada pessoa jurídica descaracterizada. Assiste razão ao contribuinte quando menciona que o lançamento se dá com base em meras e poucas presunções que, todavia, não seriam suficientes para comprovar a relação de emprego entre os sócios das pessoas jurídicas e a recorrente.


Portanto, não é facultado ao agente fiscal imputar abstratamente o lançamento fiscal que desconsidere a prestação de serviço pela pessoa jurídica e que passe a considerá-la como empregado.


Atualmente muito se discute quanto aos limites dos agentes da receita federal, seja no legislativo, seja no judiciário, certamente a referida discussão chegará nos contornos da pejotização.


Ademais, neste contexto, vale lembrar aos tomadores de serviço, como aos prestadores de serviço, que a “lei da terceirização”, como ficou conhecida a lei 13.467/17 cuidou de permitir a terceirização da atividade-fim da empresa tomadora, o que em nada interfere nas autuações lavradas pela Receita Federal.


Neste diapasão, não resta dúvida que diante do aparente déficit fiscal que o Brasil vive, os órgãos arrecadadores devem cumprir com veemência o seu papel angariar recursos para a união, todavia não é aceitável são os excessos. 
*Carlos Felipe dos Santos Junior - Advogado Especialista em Direito Tributário.



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